domingo, janeiro 17, 2010

quem conta um conto aumenta um ponto

Lendo com algum atraso a interessante biografia de Wilson Simonal, escrita pelo jornalista Ricardo Alexandre, qual não foi a minha surpresa ao me ver citada num texto que postei aqui no blog sobre o filme 'Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei'. Diz o jornalista: "A cantora Joyce Moreno confessou (?) em seu blog que seu grande temor (?) era o de que a simonalmania acabasse por ressuscitar a pilantragem (...) Algumas semanas depois, Ed Motta anunciou a materialização dos piores pesadelos de Joyce (???) Seu próximo álbum, ''Piquenique' (...) traria uma faixa chamada "A Turma da Pilantragem", com a participação de Maria Rita, filha de Elis" (ele esqueceu de citar o pai dela, o grande arquiteto musical do Som Três)

Quem dera meus piores pesadelos fossem tão simples como uma gravação de Ed Motta em tributo à pilantragem. A vida seria bem mais fácil. Também não posso deixar de dizer que o fato de eu não gostar particularmente de algum gênero musical não me impede de reconhecer o valor de quem faz. No caso da pilantragem, por exemplo, as músicas, quase sempre bobinhas, vinham, como falei no post em questão, embrulhadas para presente pela mão de grande músicos, como César Mariano, Erlon Chaves e o próprio Simonal. Isso é inegável. Meu post foi, portanto, mal lido ou mal interpretado, mas está aqui no blog para quem quiser rever.

Já tive discussões sérias com pessoas queridas por coisas assim, e posso recordar precisamente uma que aconteceu aqui em casa, anos atrás, com uma amiga, grande instrumentista de choro e bastante "xiita" em suas posições, quando defendi uma figura do rock brasileiro. Ela sabe, e todos os que me conhecem sabem, que não sou particularmente fã do gênero ou dos artistas que o fazem - mas defendo-lhes até o fim do mundo o direito de fazê-lo. Por isso a discussão acalorada com minha amiga, que quase nos custou a amizade (felizmente ela caiu em si no dia seguinte e me ligou fazendo as pazes). A democracia começa pelo reconhecimento do direito de cada um se expressar como achar melhor, e isso vale para tudo na vida.

Também já me aconteceu de uma certa participação minha, mesmo como coadjuvante, em alguns momentos da vida privada da música brasileira, ser contada de maneira torta e ficar por isso mesmo. No livro de meu mui querido amigo Nelson Motta, 'Noites Tropicais', quando ele descreve o começo do seu namoro com Elis, no início dos anos 1970, eu estou lá no terraço da casa dela, participando de uma roda de música e mescalina com os dois e mais o meu 'namorado'. Não foi bem assim: não só havia muito mais gente presente na reunião, como na data em questão eu estava grávida da minha primeira filha, e não seria irresponsável a ponto de usar alguma droga, beber, fumar ou lá o que fosse. Quando os folguedos lisérgicos começaram a rolar - mescalina, LSD, sei lá o que o pessoal estava usando - comecei a ficar entediada e com sono. Elis muito gentilmente me ofereceu o quarto dela e ficamos lá dormindo, eu e minha adiantada barriga. Acordei com o sol já alto, subi para o terraço e lá estavam meus dois amigos compartilhando uma manta, com cara de quem fez ou vai fazer alguma travessura (os dois eram casados com outras pessoas). No que pedi um táxi e fui pra casa rapidinho.

Quando o livro do Nelsinho saiu, contando a história do jeito que ele lembrava, não dei muita atenção, pois achei que era um pequeno erro que logo, logo seria esquecido. Engano meu. O livro foi (ainda é) um best-seller, e na reedição da biografia de Elis, escrita por Regina Echeverria, a parte da festinha lisérgica contada por ele foi reproduzida, ipsis litteris. Azar o meu, que não me manifestei enquanto era tempo.

Portanto, lição aprendida, estou eu cá me manifestando quanto aos meus piores pesadelos, que passam longe de qualquer gravação de qualquer colega, em qualquer estilo e em qualquer tempo. Que fique aqui registrado.

PS- E vejam como o Lan nos via, em 1967...

13 Comments:

At 12:08 AM, Blogger Marcelo Donati said...

Grande Joyce, só um comentário: Ed Motta realmente prestou tributo à turma da Pilantragem, como o próprio nome da canção diz, mas o foco da canção foi homenagear Nonato Buzar, e não Simonal, que fora apenas um (grande) interpréte da tal turma. A confusão propagada pela mídia se deu justamente pq 2009 foi um ano 'dedicado' à Wilson Simonal. Abraço!

 
At 11:45 AM, Blogger pituco said...

joyce,

lembro-me da postagem e relendo-a, nota-se que não há nada a ver com o que afirma o jornalista...

de fato, é sempre bom esclarecer...concordo contigo...ou detalhes tão pequenos, são coisas muito grandes pra se esquecer...rsrsrs

abraçsons

 
At 12:25 PM, Blogger Luiz Antonio said...

Joyce, eu adoro escrever (ja deves ter notado) e uma coisa que aprendi é que um texto só tem o REAL significado mesmo é para quem o escreveu. De resto cada leitor é um ser diferente, cada visão um novo ângulo - verdadeiro caleidoscópio - o bom é quando essas "caleidoscópicas" interpretações são apenas variantes sobre um mesmo tema _o que até enriquece o texto do autor, ao abordar aspectos que nem mesmo ele (o autor) se percebeu ao escrever. PROBLEMÃO é quando a interprteação vem em sentido TOTALMENTE CONTRÁRIO AO QUE QUERÍAMOS DIZER, POIS PODEM SURGIR AS MAIS DIVERSAS SURPRESAS _ E MUITAS DELAS DESAGRADÁVEIS_ Porém supresas desagradáveis _já me dei conta disso também, fazendo a mea culpa por meus textos_ são frutos de artigos mal escritos - O QUE NÃO FOI O CASO DO SEU SOBRE O SIMONAL - ficou claro pra mim sua intenção. Na certa não pegou o leitor num bom dia ou então pegou um mau leitor...e isso_já é outra história -

 
At 12:10 PM, Blogger Paul Constantinides said...

distorções são f....
me lembro q qdo te entrevistei perguntei sobre este lance de droga, anos 70 e vc me falou q foi uma epoca na qual vc se dedicou a ter filhos, etc...enfim, passou a imagem de que não se envolvia com isto.
mas é interessante como as pessoas tendem a distorcer fatos e se trairem qdo relatam algo do passado.
muito louco de fato.

aprecio sua postura em não ^pixar^ alguém que faça musica diferenta da sua. esta é a atitude mais salutar q deveria imperar entre artistas, e entre todas as pessoas.
é isto ai.
abs
paul

 
At 5:54 PM, Blogger Bernardo Barroso Neto said...

Fofocas. Todo mundo passa por isso, como você falou as pessoas adoram aumentar o que um determinado artista falou. O Tom sofria muito com isso.
Realmente não vi maldade nenhuma em seu comentário sobre o Simonal, aliás na época achei a análise mais sensata de todas.
Abraços!

 
At 10:55 PM, Blogger JoFlavio said...

J,
Não sei se a expressão certa é desmascarar. Mas até hoje quando se fala em “pilantragem”, gênero com a assinatura de Nonato Buzar ou de quem quer que seja, via Simonal ou não, ninguém se refere ao californiano de origem mexicana Chris Montez (Ezekiel Christopher Montanez, Janeiro 17, 1943), que em 1966 apareceu no Brasil com um LP chamado The More I See You/Call me, via A&M Records – leia-se Herb Albert & Jerry Moss. Entre nós na época um sucesso absoluto, presente em todas as festinhas. Balancinho legal, palmas ao fundo e um certo toque de classe por conta do tecladista e arranjador Nick DeCaro. A tal pilantragem nada mais foi do que um clone tupiniquim da idéia musical proposta pelo som de Montez. Sim, havia o dedo de Herb Albert na procura de alguma coisa nova, de certo bom-gosto, mas de apelo popular. Em época de ditadura no Brasil, nada mais pertinente. O resto é bobagem. O Assim como Chris Montez, a pilantragem sumiu rapidinho.

 
At 11:28 AM, Blogger joyce said...

O livro-biografia do Simonal cita o Chris Montez, com toda justiça, como iniciador dessa onda que aqui no Brasil se chamou pilantragem. Era bom de dançar nas festinhas, mas como dizia uma amiga minha, era 'como um sorvete, gostoso e rápido'. Mas nem tudo na vida tem de ser sério, nem deve...

A minha preocupação em deixar clara minha posição foi justamente porque depois virão os 'estudiosos' da MPB, colocando na minha boca palavras que não falei. Ou fatos que não aconteceram daquela forma, como no caso do livro da Regina Echeverria, onde houve o desdobramento de uma história mal contada.

 
At 8:42 PM, Blogger Jovino said...

Oi Joyce,
O livro do Nelsinho Motta descreve a apresentação da Elis e do Hermeto em Montreux em 1979 de uma forma bizarra. Eu estava lá e testemunhei tudo, e o que saiu na imprensa na época (O Motta escrevia uma coluna no GLOBO) foi repetido no livro...acho que tenho que escrever outro livro com uma visão diferente...Quem conta um conto aumenta um ponto, mas não precisa ficar tonto...:)
Beijos,
Jovino

 
At 12:29 PM, Blogger joyce said...

Taí uma boa idéia, Jovino. Você além de grande músico escreve muito bem (lembro sempre daquele seu texto sobre o terremoto em Seattle). Uma biografia do campeão, ou melhor ainda, sua memória de seus anos no grupo dele, poderia ser um grande lance...

 
At 1:22 PM, Blogger Maurício Gouvêa said...

Oi Joyce, se há "interpretação" sobre uma afirmação (que foi o caso no livro do Simonal), entendo que caberia uma consulta do jornalista ao personagem citado, no caso vc. Este tipo de cuidado muitas vezes não ocorre por muitas razões, mas quero crer que não tenha sido por má fé. Ser mal interpretado é muito desconfortável mesmo ...

 
At 2:30 PM, Anonymous jalgs said...

querida...
se vc não corrigir aquilo que falou ou não falou em contrapartida, assim , quase que imediato, estará dando bases para que façam por vc às suas próprias maneiras.
infelizmente a vida real (qto a 'imaginada') de vcs torna-se tão pública que as pessoas esquecem o sinônimo da palavra "pessoal" !

 
At 5:57 PM, Blogger Ricardo Alexandre said...

oi Joyce, aqui é o Ricardo Alexandre, autor do dito-cujo livro sobre o Simonal. Fomos colegas de juri daquele festival da TV Cultura, lembra?
Entendo seu ponto. É como eu repeti algumas vezes: a crueldade de uma biografia é mesmo transformar em literatura (com escolha de ângulos, cortes para facilitar narrativas etc.) o que é vida real de uma porção de gente... No seu caso, eu achei que havia ficado claro a ironia da utilização de termos como "o pior pesadelo" etc, fazendo ligação com um preconceito muito anterior do pessoal da música brasileira mais, hmmm, "séria", com a pilantragem, como explicado em outro ponto mais remoto do livro. Foi uma utilização hiperbólica, claro, mas, quando vejo uma pessoa inteligente como você lendo literalmente aquilo, fico em dúvida se fui claro... Minha idéia era só mostrar como velhas discussões estéticas (muito justas, aliás) voltaram à tona, exemplificando como o Simonal (e a pilantragem) faziam sentido em pleno 2009/2010. E o Cesar, como pai da Maria Rita, é citado antes no livro, claro. Espero que você tenha gostado do resto do livro ;D
Ricardo

 
At 9:01 AM, Blogger joyce said...

Olá Ricardo, claro que me lembro de você naquele júri. Aliás, ser jurado(a) de festival competitivo, que roubada... E certamente entendi também o seu ponto, mas você há de convir que nem todo o mundo que lê um livro entende as coisas assim com tanta clareza. Achei importante deixar registrada minha posição, pois as leituras são muitas, vide o que aconteceu no caso do livro do Nelsinho, que foi parar na reedição da biografia da Elis...
O tempo me ensinou que quando alguma história em que eu tiver sido citada puder deixar alguma dúvida na cabeça dos incautos, é melhor que eu esclareça logo. By the way, seu livro é ótimo.

 

Postar um comentário

<< Home