No texto que enviei para o forum, digo que não entendo por que “uma licença norte-americana, privada, patrocinada, entre outros, pelo Google” foi parar num site governamental brasileiro.
(vale dizer que este patrocínio, ou doação, do Google para o CC também deu pano para mangas na coluna de hoje de Hermano Vianna, no mesmo espaço - sim, os articulistas da página 2 do Globo conversam entre si o tempo todo. Ele contesta os números que citei, cita outros e deve estar certo, pois é um ardoroso defensor do Creative Commons e deve dispor de informações internas, bem mais quentes. As minhas são informações de internet, território pouco confiável, e que também andam na boca de alguns compositores indignados. Portanto, desde já, minhas desculpas pelo que deve ter sido uma grande desinformação minha. E voltemos ao meu suposto antiamericanismo)
Talvez eu devesse ter dito “uma licença estrangeira, privada, etc”, para que as coisas ficassem mais claras e este suposto antiamericanismo, que não procede (no meu caso, pelo menos) não ficasse assim no ar. Escrevi neste dia mesmo um email pessoal para Caetano, um dos compositores que mais admiro e pessoa mui querida, esclarecendo (ou tentando esclarecer) esta questão. E o que eu disse a ele foi mais ou menos o seguinte:
“Como posso ser antiamericana? E o Coltrane? e o Miles? e a June Christy, minha cantora de cabeceira? e todos os escritores, cineastas, artistas que a gente aprendeu a amar durante todos esses anos? E Nova York, minha cidade do coração? E o Obama, por quem torcemos descaradamente na eleição passada? Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O Creative Commons poderia ser norueguês, estoniano, indiano ou de qualquer outro país ciberesperto. Ainda assim, sendo estrangeiro, privado e patrocinado por empresas gigantescas que têm o maior interesse em não pagar por conteúdo, não vejo porque ele teria de estar num site governamental brasileiro, principalmente no do Ministério da Cultura. É isso, e tão-somente isso. Até minha sociedade autoral americana, a BMI, acha a mesma coisa que eu.”
O que eu quis deixar claro foi minha preocupação – e que tenho visto em toda a nossa classe de compositores, de modo geral – com a sobrevivência da nossa profissão. Pois hoje - e o Creative Commons representa apenas uma pontinha do que pode ser um grande iceberg - há cada vez mais gente que acha que direito autoral não precisa ou não deve ser pago, como se não fosse fruto de um trabalho. Como já disse aqui nosso Sérgio Santos, imaginem o nosso Dorival Caymmi, que, com aquela obra toda, viveu sempre modestamente, como pessoa de classe média. Dá pra imaginá-lo com 95 anos (idade em que nos deixou), dependendo de fazer shows para sobreviver? A obra maravilhosa dele não teria valido nada? É esse o futuro que aguarda a maior parte dos autores brasileiros?
Há poucos dias, minha amiga Olivia Hime, recém-chegada do Midem, me contava das conversas que teve com diversas pessoas de outros países sobre essa nebulosa e complexa situação. E havia um consenso de que não houve avanço significativo na questão do direito autoral. Uma pessoa chegou a dizer a ela que essa 'nuvem' perigava se tornar um cumulus nimbus, prestes a virar uma tormenta. O problema não é só do Brasil.
Caetano, ao responder ao meu email, citou certas “modificações de internet” que agora acontecem, como a do forró “Minha Mulher Não Deixa Não’, que periga ser o grande hit do carnaval baiano de 2011, depois de recriado pelo grupo Psirico. Essas modificações digitais em nada comprometem a autoria, na minha opinião. O refrão da 'minha mulher não deixa não' é que é a graça da música, é o que faz o fenômeno - o resto, pra mim, é arranjo. Os DJs, que desde os anos 90 até hoje modificam a minha música pelas pistas de vários pontos do planeta, eu entendo como arranjadores eletrônicos, em última análise, jamais como co-autores das músicas junto comigo. Assim também Caetano, quando tem uma canção sua recriada por João Gilberto ou Dori Caymmi, não está ganhando parceiros na autoria. Eles são arranjadores a seu modo, recriadores de uma beleza que já existia, e que eles estão enriquecendo com outro ponto de vista harmônico, mudando as divisões, conforme a linguagem de cada um. Mal comparando, é mais ou menos a mesma coisa. Pelo menos, essa é a minha visão.
No mais… antiamericano é Osama Bin Laden - não eu ou qualquer outra pessoa que se oponha a certos mecanismos de compartilhamento de direitos alheios. Capital não tem pátria, e aliás o Creative Commons, que engraçado, parece mais um ‘socialismo’ patrocinado pelo grande capital. Coisas do século XXI, que mal começou e já nos deixa tão confusos com seu museu de velhas novidades.