quarta-feira, julho 27, 2011

vida de artista


Esta é a imagem da capa do CD (ex-LP) "Ana Lucia Canta Triste", que comprei em viagem recente ao Japão, e depois descobri que havia sido discretamente relançado no Brasil. Paguei caro por ele, mas não me arrependo, pois o custo-benefício musical foi grande. É um lindo disco, com um super repertório e arranjos deslumbrantes de Oscar Castro Neves.

(na mesma linha de raridade e qualidade, espero que seja um dia relançado o belo LP de Anna Margarida Chagas, socialite carioca que atuou como cantora nos anos 1960, com magníficos arranjos de Luiz Eça e um repertório igualmente campeão)

Ana Lucia morava em Florianópolis, onde casou, teve filhos e era dona de um restaurante. Esteve em minha casa há uns 18 anos atrás, justamente para buscar a versão em CD de seu disco, que eu trouxera do Japão para ela. Depois nunca mais nos vimos, e hoje fiquei sabendo de seu falecimento, na cidade que escolheu para morar. Ela fizera sua escolha de vida, e imagino que tenha sido feliz.

É dura a vida da bailarina, como dizia o Tom. Hoje leio no jornal que a grande Dóris Monteiro, aos 76 anos, encontra dificuldades para trabalhar e pagar as contas. Foi uma estrela brasileira da era do rádio, passou incólume pela bossa-nova com seu canto cool e elegante, e foi mais além, com grandes sucessos, numa longa e proveitosa carreira. Mas o tempo pode ser implacável para o artista. Principalmente aqui no Brasil.



Gravei, anos atrás, um lindo programa (ainda na fase do 'Cantos do Rio') com Dóris e Tito Madi, outro grande da música brasileira, menos valorizado do que deveria. Sonho ver nosso Tito ganhando algum prêmio que lhe honre a grandeza e lhe dê o reconhecimento merecido pelo conjunto da obra. E lanço daqui a campanha: flores em vida! Prêmio Shell para Tito Madi, já!


sábado, julho 23, 2011

a little lamb who's lost in the wood

Dá uma tristeza danada pensar na morte, anunciada hoje em Londres, de Amy Winehouse, uma menina talentosa e bonita, aos 27 anos (mesma idade de Janis Joplin, Jim Morrison e Jimi Hendrix!) Não adianta querer julgar os portadores desta doença, mal de muitos séculos, que é a dependência química. Como vimos no ótimo documentário de Fernando Grostein Andrade (conduzido com clareza e dignidade por Fernando Henrique Cardoso), "Quebrando o Tabu", as drogas sempre existiram e continuarão existindo, enquanto existir a dificuldade do ser humano em lidar com suas frustrações e vazios sem a ajuda de aditivos.

'Want to stay young? Die young!', diz o ditado. Infelizmente este desperdício de vida - a vida que poderia ter sido e que não mais será - venderá milhões, será tema de filme, inspirará outros jovens bonitos e talentosos a buscar este tipo de alívio para suas angústias. Outras tragédias virão. Que tristeza.

Que mais esta criança perdida seja bem recebida e cuidada, onde estiver.


nascimento da república... e do samba!

(Mais notícias do nosso diário de bordo sobre as gravações do 'No Compasso da História'...)

O nascimento da República no Brasil coincide, historicamente, com o nascimento do samba. Nada a se estranhar: a República nasce logo após a abolição da escravatura, que já viera tarde demais. As oligarquias que ainda dependiam da mão de obra escrava, além dos grupos militares que já eram contrários à monarquia desde a Guerra do Paraguai, acabaram depondo o combalido Império - teremos, no belo roteiro de Isabel Valença, a frase histórica do Barão de Cotegipe para a Princesa Isabel, logo depois da assinatura da lei Áurea: "Vossa Majestade redimiu uma raça, mas acaba de perder o trono". E não deu outra.

(na foto acima, estou fazendo minha leitura minimalista para o 'Hino à Bandeira', com belíssima melodia de Francisco Braga - é o único hino do mundo que tem 'blue note'! - e os versos de ninguém menos que Olavo Bilac, descrito por um dos câmeras da nossa equipe como "uma espécie de Chico Buarque daquela época"... Eu concordo!)

E o que tem isso a ver com o samba? Tudo. Instaladas na área do Estácio (hoje Cidade Nova), as comunidades das 'tias' baianas prosperaram, com seus batuques e festas de terreiro, onde além das comidas e rituais religiosos de origem afro-brasileira, nasceram os primeiros sambistas, como João da Bahiana (não por acaso, filho de uma delas, tia Perciliana), Pixinguinha, Donga e Sinhô - de quem eu e meu convidado Pedro Paulo Malta estamos cantando, na foto acima, o delicioso e politicamente incorreto samba 'Não Quero Saber Mais Dela'.

PP é um sambista e seresteiro com pegada de ator, o que foi uma maravilha para a gravação e encheu de alegria a equipe, que se dobrava de rir com suas interpretações para o português apaixonado pela mulata (no samba citado acima) e os personagens descritos por João da Bahiana em 'Batuque na Cozinha' - mas também se comoveu com sua linda leitura para 'Luar do Sertão', 'Carinhoso' e o glorioso samba-enredo 'Os Sertões'. Na foto acima estamos lembrando a Revolta da Chibata, com 'Mestre-Sala dos Mares'. Ao nosso lado, dando uma canja no tamborim, nossa lindinha Antonia Adnet.

Com mais uma linda e querida presença, minha filhota Ana Martins, estamos homenageando Chiquinha Gonzaga, mãe da música brasileira, com seu 'Abre Alas'. Depois, indo dos primórdios ao Modernismo, ainda faríamos o 'Trenzinho do Caipira', de Villa-Lobos, com os versos contemporâneos de Ferreira Gullar.

(a participação de Aninha neste programa me ajudou a desvendar uma história incrível: desde que minhas meninas eram pequenas, canto para elas - e cantamos juntas - uma cançoneta que aprendi com meu amigo Bituca, e que ele por sua vez aprendera com 'seu' Salomão Borges, pai de seus parceiros Márcio e Lô. Começa assim: "eu vivo triste como um sapo na lagoa/ e ando sempre pelas matas escondido..." Parece que o próprio Salomão Borges pensava que essa música era do pai dele. E eis que lendo o livro de crônicas de João do Rio, 'A Alma Encantadora das Ruas' (publicado em 1908, e que fala da cultura urbana do Rio de Janeiro no início do século XX), na última página, está lá para quem quiser ver: "a despreocupação dessa gente parece viver com uma estranha verdade no lundu popular: 'eu vivo triste como um sapo na lagoa'..." Uma descoberta arqueológico-musical sem preço, que me encheu de alegria. Finalmente uniram-se as pontas desta misteriosa canção!)

E, claro, não podia faltar Pixinguinha, aqui representado por sua "Yaô". E ainda teríamos coisas como 'Espingarda', sucesso da dupla Jararaca e Ratinho, 'Jura' e 'Gosto que me Enrosco', ambas de Sinhô (esta última com Heitor dos Prazeres), 'Se Você Jurar', de Ismael Silva, 'Chuá, Chuá' (clássico sertanejo), e, finalmente, 'Positivismo', de Noel Rosa e Orestes Barbosa. Uma glória de repertório!

Este foi um programa de conteúdo tão rico que teve de ser dividido em dois, para podermos dar conta de tanta informação. O mesmo acontece com o ainda não gravado programa que trata do Brasil Império. E assim, nossa série de 13 documentários passará a ter 15...



segunda-feira, julho 18, 2011

um abraço no Japão

Vai chegando aquele momento tão esperado por nós todos os anos, quando iremos mais uma vez ao Japão, rever os amigos e as plateias de lá. Para mim e para o Tutty, será a 22ª viagem a este país que sempre morou em nosso coração. Nem sempre fomos juntos: algumas vezes fui sem minha banda, e portanto sem ele; outras vezes ele foi tocar com outras pessoas, como Lisa Ono, e eu obviamente não estava presente. Mas, coincidência ou não, nosso número de viagens acabou se equiparando.

Muita coisa maravilhosa foi vivida lá por nós, e muitas aventuras também. Como todo o mundo que vai seguidamente ao Japão, enfrentamos alguns terremotos - todos de pequeno porte, com exceção do terremoto de Kobe em 1995, do qual Tutty escapou por um dia, pois tinha passado por lá na véspera. Houve um que chegou a ser engraçado e do qual sempre nos lembramos, pois aconteceu à noite, enquanto estávamos dormindo. Tutty acordou sobressaltado e tentou me chamar para que descêssemos as escadas do hotel. Mas no Japão, brasileiros muitas vezes precisam apelar para um remedinho que ajude a dormir, pra botar o fuso horário no lugar. E tínhamos tomado um... O que me fez dizer a ele, ainda dormindo: "volta pra cama, que você está sonhando..." E não é que ele voltou mesmo, e só nos demos conta do acontecido no dia seguinte?

Quando aconteceu o terremoto seguido de tsunami, em março deste ano, nosso coração quase parou, com a aflição em saber como estavam as muitas pessoas queridas que temos por lá. Felizmente a maioria estava na área de Tóquio, ou em cidades bem próximas, de modo que, da nossa parte afetiva, não houve baixas. Mas foi o suficiente para que eu escrevesse uma letra para a música nova que meu parceiro Zé Renato acabara de me mandar - e que ele mesmo acaba de gravar lindamente em seu novo disco, ainda em fase final de mixagem. Aqui vai a letra da nossa canção, dedicada aos amigos japoneses.

UM ABRAÇO NO JAPÃO

(Zé Renato/ Joyce)


Ê matita perê

Traz notícias do povo de lá

Que eu quero saber

Chama uirapuru, sabiá

Saíra e tiê

Passarinho de todo lugar

Vem me responder

Pelas asas da música

Que venha toda essa passarada brasileira

Levar nossa alegria pra aquela terra inteira


Ê, Martim Cererê

Vai buscar os amigos de lá

Pra gente rever

Traz o samba, o batuque, o baião

O cateretê

Bossa nova com maracatu

Tão lindo de ver

Que parece até mágica

Que venha agora toda a música brasileira

Levar nossa alegria pra aquela terra inteira!

É o que pretendemos fazer daqui a duas semanas: levar nossa alegria aos amigos do Japão.


terça-feira, julho 12, 2011

testemunha ocular da história

Por alguma razão que algum dia hei de compreender, volta e meia me vejo na condição meio 'Zelig' de testemunha, se não participante, de algum fato relevante. Não sei se isso acontece com todo o mundo, ou se algum tipo maluco de magnetismo me atrai para fatos e personagens que só irei entender muitos anos depois. Como, por exemplo, aos quinze anos, ter conhecido na Itália uma linda moça, irmã de um amigo feito nesta viagem, que seria a futura rainha da Suécia. Ou ter tido o vestido de meu aniversário de 15 anos (de novo...) confeccionado por D. Zuleika, talentosa costureira de Ipanema, cujo filho viria a ser um namoradinho meu de adolescência, mas acabaria se casando com uma outra amiga minha das mesmas festinhas - só que D. Zuleika era a futura Zuzu Angel, e seu filho e nora morreriam na tortura durante o regime militar... mas ainda não sabíamos disso em 1963.

Coisas assim me acontecem frequentemente, e hoje, lendo as notícias internacionais, vejo a confusão armada na Inglaterra pelo escândalo dos grampos na imprensa, feitos por jornalistas do tablóide 'News of the World', um dos mil empreendimentos do media mogul Rupert Murdoch. E não posso esquecer de quando o conheci em Nova York, em 1977.

Eu lá estava para inaugurar um clube de música brasileira, que tinha o singelo nome de Cachaça, mas que era, aparentemente, de propriedade de um francês chamado Olivier, mesmo dono do Club Hippopotamus. Digo 'aparentemente' porque neste tipo de negócio nunca se sabe quem é o verdadeiro dono. E os seguranças do Cachaça Club eram todos homens de terno preto e sobrenome italiano.

Pois o relações públicas do clube veio me dizer que Mr. Murdoch, novo dono do jornal Village Voice, gostaria de me fotografar - ele, pessoalmente, quanta honra! - diante do letreiro da porta. E fez questão de enfatizar como essas fotos seriam importantes para que o local, recém-inaugurado, deslanchasse na imprensa. Eu não tinha a mínima ideia de quem se tratava, mas topei fazer as fotos - só que ninguém tinha me avisado que Mr. Murdoch queria porque queria que eu fotografasse com o figurino do show - um vestidinho branco bem leve, ombros de fora, e o violão na mão. Dentro do clube seria moleza. Mas na rua... Estávamos em março, ainda com temperaturas invernais em NY. Só faltava nevar.

Não houve acordo, não consegui me livrar (ou não consegui dizer não aos meus empregadores) e acabei descendo, muito de má-vontade, com Mr. Murdoch no elevador. Ainda tentei dizer a ele que meu violão acústico, Di Giorgio Autor nº 3, não suportaria o choque térmico. Ao que ele me respondeu que já fotografara Andrés Segóvia com seu violão em temperaturas similares e o gênio não havia reclamado. Diante de tal argumento, não tive mais o que retrucar.

Pois fui, fiz as fotos, e dois dias depois estava de cama, com suspeita de pneumonia. Que finalmente não se concretizou, foi apenas uma gripe violenta que me pôs fora de combate por uma semana, totalmente sem voz. Eu devia ter contra-argumentado que Andrés Segóvia não era cantor, mas isso não me ocorreu naquele momento.

Agora está Mr. Murdoch, o bilionário, às voltas com a justiça britânica. Bem feito.


sexta-feira, julho 08, 2011

samba triste

Partiu hoje esta figura tão querida, nosso Billy Blanco, talvez sem saber que no meu CD mais recente, 'Rio', gravei duas músicas suas ('Viva Meu Samba' e 'O Mar', esta em parceria com o Tom). Foi um dos maiores cronistas do Rio, apesar de paraense. E um gentleman no trato, engraçado e gentil.

Saudades, meu Billy! Deus lhe acompanhe!


sábado, julho 02, 2011

os anos 1980


O pessoal costuma chamar este período de "década perdida". Mas era ali que precisaria terminar a história que estamos contando na nossa série 'No Compasso da História'. Bem num tempo difícil, onde a música se dividiu entre roqueiros de várias tendências ocupando o mainstream, músicos independentes chegando no pedaço e surpreendendo o mercado, vanguardistas brotando no teatro Lira Paulistana e os emepebistas mais ortodoxos lutando para não cair no buraco negro da censura. Um tempo estranho e de muita luta, com o atentado do Riocentro, o país pedindo eleições diretas para presidente e uma inflação galopante, que os mais novos não fazem ideia do que tenha sido. Até que chegasse a tão sonhada redemocratização.

Para um programa de tantas diferenças musicais, o convidado teria de ser alguém que pudesse transitar com desembaraço por todas estas 'aldeias', cada uma com sua complexidade particular. Convidei Paulinho Moska, um roqueiro emepebista (ou um emepebista roqueiro) para me acompanhar nesta viagem. E esse convite se provou de um acerto sensacional. Na foto acima, estamos cantando/falando a maravilhosa "Bem Baixinho", hit do Grupo Rumo (um dos grupos emblemáticos da chamada vanguarda paulistana), com Antonia Adnet tranquilamente dando conta do difícil desenho de violão criado pelo autor Luiz Tatit.


Como diria o grande Wilson das Neves, "ô sorte!" Pois Moska conhecia este repertório de trás para diante, e realizou com brilho a tarefa de cantar músicas marcantes do rock brasileiro da época, como 'Que País É Esse?' e 'Ideologia'. Mas também foi um grande companheiro de viagem em coisas tão diversas como a 'Toada' (hit do Boca Livre, primeiro grupo independente a vender mais de 100 mil discos), 'Cartomante' (de Ivan Lins e Vitor Martins, bela e sombria), o megahit 'Brasil' ('mostra a tua cara' - que acabou em samba) e, para encerrar o programa e a série, 'E Vamos à Luta', do querido Gonzaguinha (aquela que diz 'eu acredito é na rapaziada' - pois ao fim e ao cabo, quem faz a História somos nós, o povo brasileiro)

Foi divertido também reler algumas canções pop com um outro olhar e uma outra levada, como estamos fazendo na foto acima com 'Comida', dos Titãs, levada por nossos três violões naquela onda que o grande Moacir Santos inventou e batizou de 'mojo'. E como também fizemos com 'Inútil' ('a gente somos inútil'), trazendo um suingue meio jazzista para essa canção de DNA mais punk. Minha 'Feminina' também esteve lá, para o momento em que se fala do grande boom de compositoras daquele momento, do qual fiz parte; no momento em que se falou em Tancredo Neves, tivemos o 'Clube de Esquina'; e para os créditos finais, 'Vai Passar', de Chico e Francis, claro. Pois o sanatório geral está aí até hoje.

As gravações ainda não terminaram, pois ainda nos falta gravar dois programas - o que trata do Império e o da República. Mas já deu pra sentir as primeiras saudades deste trabalho que me envolveu por mais de um ano, e que me tem juntado a uma equipe supimpa.


sexta-feira, julho 01, 2011

vai passar!

Este foi o show 'Feminina 30 anos', que fizemos no Teatro Clara Nunes, com presenças ilustres e queridas na plateia - parceiros e amigos como Zé Renato, Hermínio Bello de Carvalho, Mário Adnet, José Milton (produtor original do disco 'Feminina', em 1980), tanta gente que não vou lembrar de todos - além de Diana Krall com sua banda completa, inclusive nosso amigo (e grande guitarrista) Anthony Wilson. Foi uma noite bacana, e depois dela aconteceram outras, com diferentes formações, em diferentes locais. Sempre celebrando os 30 anos do disco que para mim foi um divisor de águas.

Pois então, pra quem não viu, estará no ar pelo Canal Brasil, neste próximo domingo, dia 3/7, 21 horas, com reapresentação na segunda-feira, dia 4, às 16.30. Mais informações no flyer acima.