sexta-feira, setembro 27, 2013

No Comício das Diretas

10 de abril de 1984, Candelária, RJ. Dia do histórico comício pelas eleições diretas, que reuniu um milhão de pessoas nas ruas do Rio. Outros já haviam acontecido e ainda iriam acontecer pelo Brasil todo, pedindo a aprovação da emenda Dante de Oliveira, que restabelecia as eleições diretas para presidente do Brasil. Como se sabe, foi em vão: estas só iriam vingar em 1989. Mas ainda não sabíamos disso.

Sempre fui refratária a participar de comícios pagos em época de eleições, ao contrário de tantos colegas meus, que ganharam muito dinheiro com isso (alguns ainda ganham...) Mas comícios de graça, em torno de uma idéia, desses participei muitíssimo, mesmo em situações de risco, como aconteceu algumas vezes nos anos de chumbo da ditadura militar. Portanto, quem me convidou para participar do grande comício das Diretas em 1984 sabia o que estava fazendo. Quem não sabia era eu, ai de mim...

(As fotos acima mostram o Dragão das Diretas, criação do artista plástico Alex Chacon, que havia sido largamente exibido em Brasília, quando houve a manifestação por lá. Era uma escultura de papel machê, de grande porte, 'vestida' por diversos manifestantes que rodopiavam pela praça dos Três Poderes. E que causara grande incômodo às autoridades militares de plantão. Foi resolvido que o Dragão viria para a manifestação do Rio. Alguns amigos meus se reuniram com o pessoal que trazia este original artefato, e dessa reunião saiu uma marchinha da 'Turma do Dragão', que meu amigo Fernando Leporace me mostrou na véspera do comício e me fez dar boas gargalhadas.)

No dia do comício, fui para o ponto de encontro dos artistas participantes, que seria no Museu de Arte Moderna, no Aterro do Flamengo. Dali sairíamos num ônibus, diretamente para o palco/palanque armado na Candelária. No camarim improvisado, entre artistas e políticos, acabei conversando bastante com Dona Mora, esposa de Ulysses Guimarães, uma simpaticíssima senhora, que me confidenciou o quanto era difícil lidar com o estresse do marido quando este chegava em casa, depois de seus longos embates em Brasília. Compreendi e me solidarizei imediatamente com ela, pois não devia mesmo ser fácil enfrentar aquilo tudo. Veio o ônibus e seguimos para o palanque.

Eu, como sempre na vida, estava improvisando: não tinha a mínima idéia do que iria fazer quando chegasse lá. Não havia a menor infraestrutura para show. Praticamente ninguém levara algum instrumento, pois a idéia era mais demonstrar apoio que qualquer outra coisa. Alguns colegas mais espertos e tarimbados neste tipo de comício, como Milton Nascimento e Beth Carvalho, levaram play-backs de seus sucessos, e assim se apresentaram no palanque, para delírio da platéia de um milhão de pessoas. O que fazer?

A última artista a se apresentar antes de mim foi Olivia Byington, que com sua voz de sopraníssimo, cantou, a capella, o Hino da Independência: "ou ficar a pátria livre/ ou morrer pelo Brasil" Era um momento histórico, solene, de grande seriedade e importância. Era preciso estar à altura de tamanha responsabilidade.

Ou não?

Quando fui chamada ao microfone, olhei para o lado e vi Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Tancredo Neves, o venerável dr. Sobral Pinto, todos ali assistindo. À minha frente, aquele mar de gente. A idéia mais óbvia, para mim, seria protagonizar um "momento fofo" no comício: eu poderia facilmente cantar "Clareana" a capella também (o público certamente me acompanharia), e em seguida dizer que esperava um Brasil democrático para minhas filhas. Seria lindo e Dona Mora sem dúvida aprovaria. O público ficaria com lágrimas nos olhos. Minha mãe em casa se orgulharia de mim.

Mas um pensamento rápido me veio. Essa não sou eu. E, bom, o negócio aqui está ficando sério demais. Um pouco de esculhambação não faria mal a ninguém... Lembrei da marchinha que meu amigo Lepô me ensinara na véspera, e falei para o público sobre o Dragão das Diretas, "que deve estar por aí em algum lugar". Em seguida, mandei a marchinha:

"A Turma do Dragão/ cospe fogo na inflação/ corre, Dragão, pega o ladrão/que não quer saber de eleição"

Já estava indo mal... Mas podia ficar pior. Emendei na segunda parte:

"Apoteose/ seria o Delfim com cirrose.../ (...) Corre, Dragão. pega o ladrão/ que agora é hora de eleição... Diretas já! Diretas já!"

Pelo menos no refrão final o público me acompanhou. Ao lado, no palanque, Dona Mora me olhava, horrorizada. A maioria dos políticos também (julguei ter visto um esboço de sorriso na cara de Tancredo Neves). Agora era tarde, a besteira cívica já estava feita. No dia seguinte, várias pessoas me ligaram perguntando se eu tinha enlouquecido. A Globo transmitira ao vivo, exatamente na minha parte...

No ano seguinte, 1985, fui a Moscou me apresentar no Festival da Juventude. Lá, numa delegação  composta por jovens futuros políticos, havia um garoto de 20 e poucos anos, Aécio Neves, neto de Tancredo. A primeira coisa que ele me disse, ao sermos apresentados, foi: "meu avô gostava muito de você". Bom, então pelo menos alguém tinha achado graça na minha brincadeira... Sorry, Dona Mora!

12 Comments:

At 9:45 PM, Blogger Marcel said...

Joyce,


Uma grande mulher me disse uma vez, que é o que é hoje porque demorou pra encontrar a sua turma...!

Por mais loucura que veio a ser, você provavelmente fez a coisa certa.

Um beijo enorme,

Até Jazz.

 
At 11:13 PM, Anonymous Márcia said...

Grande Joyce,
Sempre verdadeira e agindo de coração. Com certeza, vale um pouco de esculhambação. É mostrar que estávamos acordados e podendo nos manifestar,era um primeiro passo para a abertura Alias, não considerei esculhambação e sim franqueza com uma pitada de humor.
E você, não se aproveitou para mostrar os seus maiores sucessos e nem ganhar dinheiro com o ato cívico já que buscávamos um país melhor, mais íntegro e passados tantos anos, as pessoas ainda não estãO preparadas para mudanças necessárias. E os que tanto prometiam, gostaram do espaço conquistado e ainda acham que está tudo bem. Até quando? Acorda Brasil.
Márcia (de Brasília)

 
At 8:50 AM, Anonymous Baptistão said...

Ótima história, Joyce. Neste caso, História, com H maiúsculo.

 
At 12:48 AM, Blogger Cyntia Monteiro said...

Todas as vezes que entro no blog e leio uma dessas histórias lembro que o meu exemplar do "Fotografei Você na Minha Rolleiflex" está emprestado com alguém que ainda não teve a finesse de devolver.

E por falar em eleição, o comício televisivo já começou...

 
At 9:26 AM, Blogger Bernardo Barroso Neto said...

Gostei muito dessa história. Queria ter visto a cena. Realmente um pouco de esculhambação não tem nada de mal.

 
At 2:13 PM, Anonymous Baptistão said...

Hahaha, Cyntia! O meu exemplar também está emprestado faz tempo, e eu constrangido de pedir de volta.

 
At 12:47 AM, Blogger Luiz Antonio said...

Joyce!
Falando em comício, em diretas, em votos e _sobretudo_ em escolhas.
Como um artista escolhe onde vai se apresentar, imagino alguns critérios
devam ser satisfeitos para garantir a integridade de sua apresentação e consequentemente sua arte. Abraço . Luiz Antonio (preocupado com você e sua música)

 
At 2:49 PM, Blogger joyce said...

Luiz Antonio, não entendi.

 
At 10:27 AM, Blogger Luiz Antonio said...

Lembrei de um post seu, de anos atrás, sobre uma parceira que tocava em piano bar de hotéis como forma de sobreviver, embora seu talento fosse para muito mais que isso. Bem humorada ela dizia, a cerca dos pianos que encontrava pela frente: "nem sempre era um Steinway!"

Pois é, não sei se te encontrarei num local "Steinway".

Estou tentando me interar, mas não achei na internet algo sobre o evento na sua edição 2013. Estou atras de me informar!

Preocupação , espero sem fundamentos! Fruto do desejo de te assitir na plenitude de sua arte, da sua música e de sua banda!

 
At 11:28 AM, Blogger joyce said...

L. A., normalmente a gente põe o Steinway no contrato... Esperemos que se cumpra!

 
At 4:54 PM, Blogger Luiz Antonio said...

Se não garantirem cancele!Antes não te assitir e realemnte ter ir que ir te ver na europa , qualquer dia, do que te assistir em condições não adequadas! Boa sorte!

 
At 3:28 PM, Blogger Luiz Antonio said...

Joyce, nada de divulgação por aqui!
Sem steinway não venha!
E faltam pouco mais de 15 dias!

lahsdasilva@gmail.com

 

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