quinta-feira, outubro 31, 2013

O Rei e Eu

Pois foi assim: em 1982, fui convidada para participar do especial de fim de ano de Roberto Carlos. Por quê, eu só descobriria quando chegasse lá. O convite me veio através da EMI, minha gravadora da época, da qual eu já me despedia depois de um imbroglio semi-judicial. Estranhei, portanto, que o pessoal ainda estivesse interessado em me colocar num programa de tal magnitude... Fui entender melhor depois, bem depois.


Primeiro fui chamada a um estúdio de gravação, onde Eduardo Lage, diretor musical do programa e do seu astro, me apresentou aquela canção do Roberto que me caberia: "olha, você tem todas as coisas/ que um dia eu sonhei pra mim/ a cabeça cheia de problemas/ não importa, eu gosto mesmo assim…" Descobri então que eu faria parte de um quadro que o pessoal da Globo estava chamando, nas internas, de "pot-pourri do tesão": quatro cantoras, consideradas bonitas à época, rodeando o Rei e cantando músicas dele. Uns 20 anos depois, eu seria convidada para empreitada semelhante num especial de Fábio Jr. onde seríamos, não quatro, mas dezenas de beldades musicais de todos os estilos e gerações. Ah, esses eternos galãs.

Uma aparição neste programa tinha lá seu valor, e topei participar, em nome da divulgação dos meus trabalhos presentes e, principalmente, dos futuros. Cheguei a imaginar que o convite tivesse partido do próprio RC, com quem eu me encontrara, pouco tempo antes, durante as gravações do mais recente disco dele. Nessa época estavam na moda os coros infantis, e minhas filhas Clara e Ana, afinadíssimas e supermusicais, eram chamadas para tudo o que se gravava então com essa característica, de Egberto Gismonti ao Balão Mágico. Eu sempre as levava e ficava lá com elas, e muitas vezes minha caçula Mariana, de 3 anos, ia junto. Nesse dia ela foi, e foram engraçadas as tentativas do artista principal em se aproximar dela no estúdio - ela, uma moreninha linda de cabelos cacheados, e super marrenta, já então. Não houve jeito, todas as tentativas do Rei Roberto em fazer amizade com minha menorzinha foram, de imediato, repelidas. Ela não quis conversa.

Chegou o dia da gravação do programa, nos estúdios da Globo, em SP. Minhas colegas de pot-pourri, cada uma representando uma gravadora (pois era assim que as coisas se faziam nos anos 1980) estavam todas chiquérrimas em seus trajes soirée. A RCA enviou Joanna, que seria encarregada do grand finale ao lado do Rei, ela que já começava a ser chamada pela imprensa de "Roberto de saias". Jane Duboc vinha, acho, representando a Continental. Pela Polygram, a princípio, viria Lucinha Lins, que teve um problema de saúde e precisou ser hospitalizada às pressas. Em seu lugar, a gravadora enviou Zizi Possi, super fashion num vestido branco de lamê, do estilista Markito, bem curtinho ("meu ponto forte são as pernas", ela explicou ao diretor).

De cara, me dei conta de que não tinha o que vestir para a ocasião. Eu era uma riponga absoluta, não tinha sequer um produtor me acompanhando e muito menos quem me aconselhasse em semelhante questão. Ganhara, sabe Deus por quê, o prêmio de "cantora mais bonita do Brasil", dado pelos leitores da revista Amiga, no programa do Chacrinha, e a foto onde recebo este prêmio está aqui nos meus arquivos - eu com uma roupinha de malha, bem vagabunda, e uma sapatilha já meio gasta da feira hippie de Ipanema. Era o que eu tinha para usar. Mas fui providencialmente ajudada: minha velha amiga de outros carnavais, Heleninha Gastal, era simplesmente a figurinista do programa. "Não se preocupe com isso", ela me disse. Já me conhecendo e imaginando o possível problema, ela trouxera umas peças de seu acervo pessoal para me emprestar, se necessário. Experimentei algumas coisas, e escolhemos, de comum acordo, um deslumbrante vestido vermelho de seda, que Heleninha usara no último réveillon e que caiu em mim como uma luva. Fiquei tão chique, depois de pronta e maquiada, que alguns amigos meus sequer me reconheceram, quando o programa finalmente foi ao ar. 

Eu estava encarregada de abrir o quadro. Roberto, sentado num piano branco de cauda, não cantava nessa hora. Eu ficava encostada ao piano e dublava a canção previamente gravada (da qual, depois me dei conta, errei bastante a letra, não sendo os autores muito presentes no meu habitual repertório. Ninguém me corrigiu, e ficou por isso mesmo). Repetimos esta cena diversas vezes, como costuma acontecer em programas de TV. Depois vinha uma modulação e Jane entrava, cantando "Outra Vez"; depois Zizi; e, finalmente, Joanna. E ele fazia uma cara de surpresa para cada uma que aparecia. De vez em quando a então mulher dele, a atriz Miriam Rios, chegava no set para dar uma conferida. Tudo parecia correr bem.

Minha parte foi dada por encerrada. Mas quando me afastei do piano cenográfico, o horror: a tinta estava fresca, e o lindo vestido vermelho de seda que minha amiga tão generosamente me emprestara tinha enormes manchas brancas em toda a parte da frente. Fiquei desesperada, estávamos numa fase duríssima de grana e eu não teria como compensar Heleninha pelo prejuízo. Mas ela foi maravilhosa e compreensiva, disse que a responsabilidade era da produção, não minha, e que se entenderia com eles. Um alívio.

Na noite de Natal, quando sentamos diante da TV para assistir ao especial, minha filha Mariana perguntou: "Mãe, esse não é aquele homem que estava na gravação das minhas irmãs? O que ele está fazendo no seu programa?"

PS- Obrigada, Leroi, pelo link do YouTube, que confirma exatamente a minha memória daquele momento, vejam: http://www.youtube.com/watch?v=DeDjiI3YW8Y

10 Comments:

At 5:59 PM, Blogger Marcel said...

Eu sempre fui muito averso ao "Rei", mas há de se levar em consideração que muitas obras primas dele vieram do Erasmo.

Quanto a cena da tinta, a tragédia hoje soa cômica, mas imagino a saia justa que você tenha ficado na época.

Eu já fui apaixonado pela Zizi Possi, hoje só a observo de longe, ainda apreciando suas qualidades artísticas, as pernas ficam pra outra hora! hahaha

Essa história de galã é mais rodada que pneu usado, porque é uma mania de "Fulanas cantam Ciclano". Resultam em belos trabalhos, mas demais do mesmo sempre enjoa!

Depois de algumas risadas, esperamos que o "Rei" ou algum de seus lacaios venham aqui querer censurar a postagem! hahaha

Um beijo enorme.
Até Jazz!

O show domingo estava em resumo TUDO.

PS: Recebeu meu anexo via inbox no facebook? :)

 
At 10:02 AM, Blogger Leroi said...

Olá, Joyce.

Eu realmente acho muito interessante conhecer relatos como este que você acabou de contar. Quando pensamos no que aconteceu no momento da gravação, dá pra viajar um pouco junto com o programa que foi ao ar.

Achei o vídeo no YouTube.

http://www.youtube.com/watch?v=DeDjiI3YW8Y

E um grande parabéns para Heleninha, seu visual ficou ótimo.

Pra finalizar, o ano de 1982 foi muito importante; nasci exatamente lá.

Um forte abraço!

http://leroicotidiano.blogspot.com.br/

 
At 3:53 PM, Blogger Luiz Antonio said...

Que barato essa história, Joyce!
E sua franqueza se desnudando quanto a questão financeira, de gravadora, de sua música, de momento de carreira, de saber fazer parte do "bloco do tesão", enfim soube muito mais de você nesse relato autobiográfico (esse não da rolo, salvo se tiver que pedir licença aos envolvidos, na sua história de vida, para escrever a sua versão e seu entendimneto da coisa!)

Adorei imaginar sua filha e o RC tentando conquistá-la. Crianças (meninas) nessa idade são o melhor da vida!

"meu forte são as pernas" foi pra doer. foi terrível. sei bem o que é o momento em que fica claro que a arte, a inteligência e o talento, na hora da negociação, ficam da cintura para baixo ou memso no bolso a se contentar com merrecas para pagar as ocntas da casa!

Esse é o selvagem mundo do dinheiro, dos trilhardarios num dia, com coleção de mulhres lindas com colheiras de identificação(deles) penduradas no pescoço, e em recuperação judicial no outro!

Belo relato. Você na sua área eu na minha, mas sofrendo pressões iguais para "se vender". RESISTIMOS, pagamos o preço diarimanete por essa escolha, mas estamos aqui e sendo reconhecido pelos nossos trabalhos e por quem sabe dar o valor (infelizmnete , acho que em nosso caso os dois encontraram esse reconhecimento fora do Brasil, e eu depois dos 40 anos!)

Porém, uma coisa que quero te dizer: Que tu era (e é) uma gata linda, com perdão ao patrão Tutty, tu era (é) Olha essa foto do post!

 
At 10:39 AM, Blogger joyce said...

Obrigada, pessoal, pelos elogios. Mas no planeta em que me movo, beleza não põe mesa e ninguém tem patrão. Só lembrando a vocês.

 
At 3:02 PM, Blogger Felipe Tadeu said...

Achei muito bonita a interpretação que você faz dessa canção do Roberto. O arranjo é mero chantilly, mas você arrasa na graça do teu canto. Carisma é isso aí, o resto é populismo. E um beijo da Alemanha, Felipe Tadeu.

 
At 2:06 PM, Blogger Luiz Antonio said...

Há, há , há...
Eu tava no Rio, e um que me foi apresentado teceu elogio a minha mulher (loira de olhos verdes - não tipico do Rio, mas comum aqui no Sul) ele olhou para ela e olhou pra mim dizendo "com licença, patrão, mas tua esposa é bonita demais!"
Achei que isso era uma maneira de falar do carioca, respeitando por fazer elogio a mulher do outro!
Não tive intenção se o significado não foi somente esse! E mulher "do outro" também não significa posse!

 
At 4:50 PM, Blogger Cyntia Monteiro said...

Pior que o desespero do vestido chique sujo, eu imagino que foi essa maquiagem toda. Fiquei com aflição só de ver.

Eu também não vou deixar de elogiar: Mesmo com toda a produção glamourosa, dá pra ver a sua simplicidade. Que aliás, não mudou nada!

 
At 10:01 AM, Blogger joyce said...

Maquiagem pra mim é sempre um drama, Cyntia. Agora mesmo fui gravar um programa na Globonews, queria me maquiar eu mesma, levinha, do jeito que aprendi - o pessoal insistiu na maquiagem 'da casa'... E claro que não deu certo!...

 
At 5:24 PM, Anonymous Baptistão said...

Especiais do Roberto têm, em geral, aquela aura brega, mas você, Jane e Zizi (todas, sim, muito bonitas) salvam qualquer coisa. (Joana também é boa cantora, mas seu estilo não é muito para o meu gosto.)
Faço muitas restrições à pessoa do Roberto, mas adoro algumas de suas músicas antigas e o considero um senhor cantor.
Curioso ouvir você cantando a dupla Roberto / Erasmo. Dá até vontade de ouvir mais.

 
At 7:46 PM, Blogger Bernardo Barroso Neto said...

Muito boa a história e também o vídeo do especial. Gostei bastante de ouvir você cantando uma música do Roberto e do Erasmo. E como já falaram acima você está bem bonita.

 

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