quarta-feira, março 19, 2014

Cidade Maravilhosa, parte 2

Hoje tenho que gravar um depoimento sobre o Rio para a TV japonesa. Terei coração pra fazer isso? Posso dizer aos que irão me assistir que a minha cidade é maravilhosa?
Diante dos últimos acontecimentos - a morte infame de Claudia Ferreira da Silva, mãe de família, moradora de uma comunidade (eufemismo criativo que achamos para substituir a palavra 'favela'), jogada num porta-malas e arrastada por um carro de polícia, depois de ter sido baleada quando saía para comprar pão - repito, diante de acontecimentos como esse, tudo empalidece. 
Estou mais uma vez de saída, indo gravar em NY. Mas deixo aqui, para reflexão de todos, o texto da querida Maria de Moraes (filha de meus amigos amados, Vinicius e Christina, e tão atenta quanto eles foram).
Pois que a babá tão querida, ótima profissional, que nos ajuda a criarmos nossos filhos, mora na favela. O garçom, há décadas tão gentil e querido, mora na favela. A moça da padaria que nos dá bom dia, mora na favela. A esteticista, que deixa as unhas das mocinhas bonitas, mora na favela. A faxineira doida e fanática por limpeza, que deixa a casa um brinco, mora na favela. O inspetor que cheio de cuidados liga quando o filho está com febre e o ajuda a se comportar na escola, mora na favela. O mensageiro da firma, rapaz bonito e educado, cumpridor do seu dever, mora na favela. O barraqueiro que guarda a última cadeira de praia para você, mora na favela. A filha dele, que trabalha desde os 8 anos, ajudando o pai, que te serve o coco, a cervejinha, ao gosto do freguês, mora na favela. O policial também mora na favela. O compositor dos sambas tão bonitos, o avô, o pai e o filho, moram na favela. Todos explorados, todos ignorados, muitos assassinados, chega! Chega de tratar bárbara e estupidamente quem nos trata tão bem, sempre recebendo menos, ou nada, com indiferença. Somos todos matéria humana, 99% gente trabalhadora, explorada, vivendo sem esgoto pra bem servir á nação. O Rio é uma favela, favela é lugar de gente de bem, que se acostumaram em ter que abaixar a cabeça para bandido, polícia, patrão. Chega de tanto horror.

1 Comments:

At 12:59 PM, Anonymous Sandra Bittencourt said...

Cara Joyce,

Horrores do Rio à parte, assisti a seu video com Kenny Werner - não só talento mas tb coragem à toda prova. Parabéns porque isso é para poucos.
Soube do disco que vcs irão gravar e já imagino fragâncias sonoras de inevitável singularidade.
Sorte. Sucesso. Abs
Sandra B

 

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