segunda-feira, maio 26, 2014

Eu e Torquato

             "Torquato, que não era baiano, e sim piauiense, morava numa casinha de vila, no pé da ladeira dos Tabajaras, em Copacabana: uma casa simples de casal jovem, com posters e coisinhas penduradas na parede, almofadas pelo chão."

Assim começava no meu livro, 'Fotografei Você na Minha Rolleiflex', o capítulo em que falo dos amigos tropicalistas. Não à toa comecei por Torquato Neto: foi na casa dele que conheci Caetano, Bethania e Gal, levada por amigos comuns. Ainda não eram propriamente famosos, os baianos, mas já sabiam muito bem o que queriam fazer - embora a revolução estética a que iriam se atirar ainda não tivesse de fato começado. Isso aconteceu nos idos de 1967, quando eu ainda nem abraçara a música como profissão. Nesse dia também cantei e toquei um pouquinho, o que levou Caetano a comentar que eu era "muito musical e parecida com a Jean Shrimpton" - esta, uma top model inglesa da época (o primeiro comentário me interessou muito, o segundo, nem tanto). Cheguei em casa já de manhã, e encontrei minha mãe furiosa. Por causa dessa noite, cheia de música e de novos amigos, fui terminantemente proibida de trabalhar numa peça de teatro amador, na qual eu já me comprometera a ser assistente de direção musical. Obedeci, mas por pouco tempo: a música já me chamava, e não havia mais como evitar esse envolvimento.

E assim foi que comecei a ver todos eles de tempos em tempos, almoços na casa de Bethania, encontros com Caetano e os outros no Solar da Fossa, enfim, o tempo foi passando e acabei fazendo parte do círculo. Torquato era letrista, poeta, já era casado, tinha uma vida um pouco diferente (pois não era artista de palco), mas foi fundamental na grande virada da Tropicália - e depois que Caetano e Gil tiveram de ir para o exílio, foi um importante  parceiro de Jards Macalé naquele disco histórico de 1972 (ou 1973? não sei mais).

Tudo isso para contar que de repente, agorinha mesmo, me apareceu um poema que Torquato havia escrito e dedicado para Ronaldo Bastos, e que Ronaldo, inspirado por uma entrevista que deu para um documentário sobre o amigo, resolveu publicar na rede social. Todo o mundo que leu, achou que o poema era uma música pronta, com suas rimas, seu ritmo próprio - e entre os que se propuseram a musicar, fui eu a feliz escolhida. Não só por ter sido próxima de ambos naquele ano crucial de 1969, quando o poema foi feito em Paris, mas porque o próprio Torquato - e isso eu não sabia - havia deixado por escrito uma vontade de fazer parceria musical comigo: "rancho com Joyce", estava escrito num de seus papéis que Marcus Fernando, um dos diretores do doc, encontrou em Teresina.

Pois bem, a canção saiu de cara, jorrou, fluiu, por assim dizer. E eis que eu e meu amigo Torquato agora somos finalmente parceiros, 40 anos depois dele ter partido deste planeta. 

A vida é doida mesmo.

8 Comments:

At 8:07 PM, Blogger my life said...

Joyce lindaaaa....quando vou conseguir te ver em SP? meu sonho é te ver ao vivo! achei esse blog por acaso pesquisando sobre a Maria Luiza Jobim. Amo sua voz...por favor quero muito tever cantar e um outro sonho é conseguir ver o meu querido Roberto Menescal.

Renata

 
At 8:08 PM, Blogger my life said...

Joyce lindaaa, quero muito te ver cantar ao vivo...em SP...quando vem pra vá?

Renata Rinaldi

 
At 9:14 PM, Blogger Leroi said...

Estou imaginando a cena desses seus encontros. Será que você tinha noção da dimensão que tais artistas conseguiriam?

Um forte abraço!

 
At 10:39 AM, Anonymous www.facebook.com/sandrabittencourtcbn said...

Bacana, Joyce. A vida é doida mesmo.
E tudo vem ao seu tempo.
Sandra Bittencourt

 
At 1:54 PM, Anonymous Mauricio said...

E quando a gente vai poder escutar essa incrivel parceria? Da pra dar uma palinha da letra? Abraco!

 
At 2:48 PM, Blogger Luiz Antonio said...

Que história bacana Joyce! E que desfecho incrível! Vou ter que procurar o poema nas redes ou vais nos dar essa canja? Poema escrito em Paris, Torquato morando me uma casa de vila, imagino direitinho como deveria ser essa casa decorada de jovem casal,pois era meu sonho de consumo nos meus 18 anos! (tinha uma propaganda do jeans staroup "jeito de gente" que refletia esse astral, mas já era em clima de revival nos início dos anos 80. Fiquei curioso em saber do Torquato e esse "jeito meio diferente" que te referistes. Legal mesmo! Que bom que a vida é doida mesmo senão não daria pra entender e nem fazer sentido não é verdade?

 
At 3:46 PM, Blogger joyce said...

Diferente porque não era, como os outros, um performer, um artista de palco, e tinha de batalhar seu pão através da escrita. Como Capinam, que trabalhava numa agência de publicidade, Ronaldo Bastos, que se tornou produtor, etc. Torquato foi jornalista durante bom tempo.

 
At 7:51 PM, Blogger Luiz Antonio said...

"Compositor, compositor, mas como é vive o compositor.... sem ter vintém ser ser show man...."
Entendi! Valeu!

 

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